SERVIÇO FUNERÁRIO: SERVIÇO PÚBLICO OU ATIVIDADE PRIVADA DE INTERESSE LOCAL

Uma análise das implicações legais e práticas da prestação do serviço funerário pelos municípios, considerando a regulamentação, controle e impacto social.

1. Introdução

O serviço funerário, conforme prevê a Lei Federal nº 7.783, de 28 de junho de 1989, é uma atividade essencial, que envolve uma série de procedimentos relacionados ao óbito, transporte, velório, sepultamento ou cremação.

No Brasil, a natureza jurídica do serviço funerário pode variar conforme a interpretação legal e a regulamentação municipal, podendo, de acordo com a realidade e necessidade, ser considerado ora como serviço público, ora como atividade econômica privada de interesse local.

Este artigo visa diferenciar essas duas abordagens, fundamentando-as legalmente e destacando suas implicações práticas.

2. Serviço Funerário como Serviço Público

Quando falamos em serviço funerário como serviço público, é importante destacar que inexiste na legislação pátria qualquer indicação ou determinação de que o serviço funerário se trata obrigatoriamente de um serviço público.

Nas constituições brasileiras de 1891 e de 1934, havia a previsão dos serviços funerários, de forma não explícita, vinculados aos serviços cemiteriais, que por sua vez deveriam ter caráter secular e serem administrados pelo município. Após a Constituição de 1934, o serviço funerário ou cemiterial não mais constou no texto constitucional e nem foi diretamente vinculado à administração pública.

Importante registrar a história nesse contexto, uma vez que os serviços funerários, consuetudinariamente, eram vinculados às entidades religiosas e consequentemente, aos serviços cemiteriais, no entanto, como é possível vislumbrar, a realidade atual diverge da realidade passada.

Atualmente, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 30, inciso V, estabelece que compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local.

Uma vez que o serviço funerário se trata de uma atividade essencial e sua continuidade e qualidade são questões de interesse totalmente local para cada município do país, podendo ser considerados pelos municípios como serviços públicos, se for da conveniência da municipalidade.

No entanto, para que o serviço funerário seja considerado serviço público, ele deve ser recepcionado pela legislação local, que deverá determinar expressamente que ele é um serviço público, estabelecendo o rol de serviços, itens e produtos que o compõem e as características para a prestação de tal serviço, de acordo com a realidade do município, sendo que esse serviço, quando público, poderá ser prestado diretamente pelo município ou delegado a particulares.

No caso de não prestação direta dos serviços pelo Município, a Lei Federal nº 8.987/1995 (Lei de Concessões e Permissões), disciplina as condições para a delegação de serviços públicos a particulares, exigindo a realização de licitação pública para garantir a seleção da proposta mais vantajosa, em respeito aos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e eficiência.

2.1. Características do Serviço Público Funerário

  • Titularidade Municipal: O serviço é considerado essencial e de responsabilidade do município, que pode executá-lo diretamente ou delegá-lo a terceiros mediante concessão ou permissão.
  • Necessidade de Licitação: Para que empresas privadas possam prestar serviços funerários, é obrigatória a realização de um processo licitatório, conforme a Lei nº 14.133/2021 (Lei de Licitações).
  • Regime Jurídico de Direito Público: As concessionárias ou permissionárias estão sujeitas à fiscalização pública e à prestação de contas, devendo garantir a continuidade, regularidade e universalidade do serviço.

2.2. Vantagens e Desvantagens

  • Vantagens: Maior controle público sobre a qualidade e preços dos serviços, garantia de universalização do atendimento.
  • Desvantagens: Burocracia para contratação de prestadores e possibilidade de monopólio ou oligopólio local.

 3. Serviço Funerário como Atividade Privada de Interesse Local

Alternativamente, o serviço funerário pode ser tratado como uma atividade econômica privada de interesse local, fundamentada nos princípios da livre iniciativa e livre concorrência, previstos no artigo 170 da Constituição Federal.

Nesse modelo, o município não considera a totalidade do serviço funerário como público essencial, mas como uma atividade regulada pelo poder de polícia administrativa, voltada para garantir o cumprimento de normas de saúde pública, segurança, meio ambiente e ordem urbana.

O artigo 30, inciso I da CF/88 também assegura aos municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, o que inclui a regulação do funcionamento de empresas funerárias.

Com isso, mesmo sendo a atividade funerária, nesse modelo, uma atividade econômica privada, quando o município através de regras específicas a classifica como uma atividade de interesse local, pode estabelecer regras e critérios para a instalação e atuação de empresas funerárias em seus limites territoriais, desde que essas regras não maculem a livre iniciativa e a livre concorrência.

 3.1. Características da Atividade Privada de Interesse Local

  • Livre Iniciativa: Qualquer empresa que atenda aos requisitos legais e regulatórios pode ingressar no mercado, sem necessidade de licitação.
  • Regulamentação Municipal: O município pode estabelecer normas de saúde, segurança, meio ambiente e urbanísticas, bem como exigir alvarás e licenças para funcionamento.
  • Poder de Polícia Administrativa: O município fiscaliza o cumprimento das normas estabelecidas, aplicando sanções em caso de descumprimento.

3.2. Vantagens e Desvantagens

  • Vantagens: Estímulo à livre concorrência, maior oferta de serviços e preços competitivos.
  • Desvantagens: Menor controle público sobre a qualidade e possibilidade de práticas abusivas, exigindo maior fiscalização.

 4. A Obrigatoriedade do Município em Atender às Necessidades Sociais da População

O município, como ente federativo, mesmo que não considere o serviço funerário um serviço público, possui a responsabilidade constitucional de garantir o atendimento das necessidades sociais da população, especialmente no que se refere à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

Entre esses deveres, inclui-se a prestação de serviços funerários adequados àqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

Nesse contexto, os serviços funerários são considerados serviços públicos essenciais, pois envolvem questões de saúde pública, ordem pública e respeito à dignidade dos falecidos e seus familiares.

Então, mesmo não sendo o serviço funerário considerado serviço público, é obrigação do município, garantir o acesso aos serviços funerários, às pessoas carentes, que não possuem condições financeiras para arcar com os custos de um funeral.

Essa prestação pode ser realizada diretamente pelo poder público ou por meio de empresas contratadas especificamente para esse fim, garantindo que todos tenham acesso a um sepultamento digno, independentemente de sua condição socioeconômica.

Então, mesmo quando o serviço funerário não é considerado pelo município como um serviço público, ele tem a obrigação de fornecer da forma mais adequada, o serviço funerário para a população carente.

Nesses casos, o atendimento pode ser realizado por empresas privadas, que atuam no mercado sem a necessidade de concessão ou permissão municipal, desde que cumpram as normativas sanitárias, ambientais e de segurança estabelecidas pela legislação vigente. Essas empresas oferecem serviços variados, permitindo que as famílias escolham conforme suas preferências e possibilidades financeiras.

É importante ressaltar que, mesmo não sendo obrigadas a atuar sob concessão ou permissão municipal, as empresas privadas devem respeitar as regulamentações locais que visam garantir a qualidade e a segurança dos serviços prestados.

O município, por sua vez, mantém seu papel fiscalizador, assegurando que os serviços oferecidos estejam em conformidade com os padrões exigidos, protegendo assim os direitos dos consumidores.

Portanto, a atuação do município no setor funerário equilibra-se entre a obrigação de atender as necessidades da população carente e a regulação do mercado privado, que oferece opções para o restante da população. Essa divisão garante a universalização do acesso aos serviços essenciais, ao mesmo tempo em que promove a livre iniciativa e a concorrência saudável no setor funerário.

5. Comparativo entre os Modelos

Aspecto Serviço Público Funerário Atividade Privada de Interesse Local
Natureza Jurídica Serviço público delegado via concessão/permissão Atividade econômica privada regulada
Licitação Obrigatória para delegação Não necessária, apenas licenciamento
Controle Fiscalização intensa e regulação de tarifas Fiscalização sobre normas sanitárias e urbanísticas
Concorrência Limitada, conforme contratos de concessão Livre concorrência entre empresas privadas
Exemplos de Normas Lei nº 8.987/1995, Lei nº 14.133/2021 Art. 170 da CF/88, legislação municipal

 6. A Obrigatoriedade Legal de legislar sobre a Atividade Funerária

Os serviços essenciais, como são classificados os serviços funerários, são aqueles cujo funcionamento é imprescindível para garantir direitos fundamentais, como vida, saúde, segurança e ordem pública.

Assim, a obrigatoriedade de legislar sobre essas atividades não é apenas uma opção política, mas um imperativo constitucional. A ausência de regulamentação comprometeria a eficácia do próprio texto constitucional e geraria um vácuo legal.

 7. Conclusão

A escolha entre considerar o serviço funerário como serviço público ou atividade econômica privada de interesse local depende da política pública adotada pelo município e da interpretação legal aplicável.

Ambos os modelos possuem respaldo legal e apresentam vantagens e desvantagens. A decisão deve levar em conta o interesse público, a necessidade de regulação e o impacto sobre a população, buscando sempre o equilíbrio entre a qualidade do serviço e o respeito à livre iniciativa.

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